Visita cultural a Tentúgal e Montemor-o-Velho - 19.10.2024
A A.C.E.R. organizou uma visita cultural a Tentúgal e Montemor-o-Velho em 19-10-2024 orientada pelo Dr. Manuel Almeida Carneiro que elaborou a seguinte síntese:
O Castelo de Montemor-o-Velho.
Arquitetura militar e religiosa na época medieval e moderna. Saberes e sabores tradicionais em Tentúgal (Guião da visita)
Manuel Almeida Carneiro
Linhas gerais do nosso percurso:
1. O Castelo e o porto de Montemor-o-Velho
Montemor-o-Velho situa-se no baixo-Mondego e as suas origens remontam às épocas pré-romana e romana conforme prova uma inscrição funerária conservada no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra. A vila medieval exerceu um papel crucial durante as guerras entre o norte cristão e o sul islâmico. Em 878, Coimbra foi reconquistada pelas hostes cristãs, mas acabou dominada por Al-Mansur, em 991. Montemor-o-Velho e Coimbra foram retomadas, definitivamente, por D. Fernando Magno a 9 de julho de 1064, cujo território foi confiado ao Alvazil D. Sesnando Davides, o Moçárabe de Tentúgal. Erguido no lugar de uma antiga atalaia, sobre um afloramento rochoso, a fortificação é composta pelo castelejo, cerca principal, barbacã envolvente, cercado do lado norte. Entre os séculos XII e XIII assistimos à redefinição do sistema defensivo com a construção do alambor, isto é uma “base rampeada das muralhas”, uma inovação trazida pelo Mestre Templário, Gualdim Pais, à semelhança da solução existente no Castelo de Tomar. A Torre de Menagem foi erguida na mesma altura, mas ligada ao pano da muralha e integrada no recinto do castelejo. A ocidente fica situada a Porta do Sol ou Porta do Senhor do Rosário, que fica junto do Torreão. Na época do rei D. Manuel I, a residência palatina foi transformada segundo o programa decorativo da época, isto é, com “janelas manuelinas” e “rendilhadas cantarias”. Foi aqui que, a 6 de janeiro de 1355, o rei D. Afonso IV mandou executar Dª Inês de Castro, o que veio acontecer no dia seguinte, em Coimbra.
2. O impacto das guerras civis de 1211-1223 (D. Afonso II e Infantas) e outros acontecimentos históricos.
Um dos grandes acontecimentos históricos foi o conflito entre as Infantas Dona Teresa, Dona Sancha, Dona Branca e Dona Mafalda e o rei D. Afonso II (1211-1223). Em causa, a questão da divisão do património da coroa. O monarca exigiu às suas irmãs a entrega dos castelos de Montemor-o-Velho, de Alenquer e do local da Esgueira, nos termos da disposição testamentária do rei D. Sancho I.
3. O porto de Montemor-o-Velho e a economia agrícola
Fruto da sua posição geográfica e económica, situada entre Coimbra e a foz do Mondego, foi sendo desenvolvido o comércio interno e externo por cabotagem. A orizicultura tornou-se expressiva e a sua origem está associada à presença muçulmana, cuja alimentação de baseava nos cereais a par das leguminosas e das ervas aromáticas A produção do arroz carolino tem aqui tem a sua génese, com o seu grão miúdo, foi ganhando relevo na dieta quotidiana. Os Frades Crúzios exerceram um papel de relevo no desenvolvimento agrícola e da culinária da região. Nos dias de hoje, a gastronomia reflete a herança do cardápio monástico, como o prato de arroz-doce que é motivo de um festival da região.
4. A vila e os seus edifícios
Em 1212 Infanta Dona Teresa outorgou a Carta de Foral a Montemor-o-Velho. A vila passou por grandes melhoramentos e obras públicas. Entre as construções mais representativas temos o Hospital da Vila (1504). O Convento de Nossa Senhora dos Anjos, fundado pelos eremitas de Santo Agostinho em 1494. O seu interior incorpora capelas renascentistas e maneiristas. A arte manuelina está presente ao nível da capela-mor em cuja chave central da abóbada de nervuras está uma inscrição: Esta obra ma(n)dou fazer d(iog)o daza(m)buja na era de 1511 anos (DIAS 1995, pp. 128-131). Diogo de Azambuja foi uma personalidade ilustre, natural Montemor-o-Velho, tal como Fernão Mendes Pinto. Esteve ao lado da causa do Infante D. Pedro, morto na Batalha de Alfarrobeira. Foi incumbido pelo rei D. João II na construção da Fortaleza de S. Jorge da Mina, a feitoria mais importante da costa ocidental africana. O seu túmulo está na capela-mor da igreja do Convento dos Anjos, cuja obra, datada de 1513, é atribuída a Diogo Pires-o-Moço, com um formato idêntico ao túmulo do Frei João Coelho no Mosteiro de Leça do Balio.
5. Igreja de Santa Maria da Alcáçova
A igreja foi fundada pelo presbítero Vermugo, após a doação feita pelo Alvazil de Coimbra. Provavelmente o templo foi construído a partir de uma construção preexistente, no lugar da antiga mesquita, à semelhança do que sucedeu em Mértola ou na Sé de Lisboa. Segundo Mário Barroca, foram recolhidos elementos em gesso que podem corresponder à primitiva mesquita e que se conservam no Museu Nacional Machado de Castro, a saber: um capitel califal de tipo coríntio e dois fragmentos de gesserias atribuíveis ao séc. XI. No século XVI o templo sofreu modificações. O principal destaque vai para a cabeceira da Igreja que tem três capelas absidais abobadadas. Na capela da Epístola (no lado direito a partir da observação frontal da entrada principal) fica o retábulo do Sacramento com uma abóbada ao estilo da renascença coimbrã, em pedra de Ançã, obra de João de Ruão, que também teve a cargo obras nas áreas próximas, como na Igreja Matriz de Tentúgal e o retábulo de S. Marcos da igreja de S. Salvador. Refira-se o revestimento azulejar nas paredes, com enxaquetados em azul e branco. Na capela-mor está o altar barroco em talha dourada do século XVII. Na capela do Evangelho, pegada à sacristia, estão as imagens do Anjo da Anunciação e da Virgem da Expectação, vulgarmente conhecida pela Nossa Senhora do Ó, que são do século XIV e atribuídas a Mestre Pêro.
6. Os frescos da Capela do Evangelho
Os frescos parietais aplicados nas paredes da Capela do Evangelho suscitam atenção. O tema indicia ser de cariz religioso e militar, dentro de um programa iconográfico que se aproxima da linguagem do maneirismo da renascença, embora seja prematuro atribuir tal definição.
I I Saberes e sabores tradicionais em Tentúgal
Tentúgal é conhecida pelos seus pastéis que “são como rebuçados em que o recheio é constituído por ovos moles. A sua originalidade reside no folhado finíssimo que embrulha o recheio, como se de papel de seda se tratasse.” Há também os suspiros e as queijadas (BORGES, 1987,135).
Este texto sintetiza um estudo elaborado e que será publicado na Folha d`Acer, com as respetivas fontes documentais e impressas. Saliento as mais significativas:
Arquivo Nacional Torre do Tombo - Livro da Saída da Alfândega Buarcos de 1536, mº 7, nº 7, Armário 25 da Casa da Coroa.
BARROCA, Mário Jorge (2005) – “O Castelo de Montemor nos séculos X a XIII.” In Muçulmanos e Cristãos entre o Tejo e o Douro. Séc. VIII a XIII. Coordenação BARROCA, Mário, FERNANDES, Isabel Cristina Ferreira e Câmara Municipal de Palmela. Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Palmela, pp. 11-126.
BORGES, Nélson Correia (1980) – João de Ruão. Escultor da renascença coimbrã. Coimbra 1980 (edição bilingue).
COELHO, Maria Helena da Cruz (1983) – O Baixo Mondego nos finais da Idade Média. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2 Vols..
DIAS, Pedro (1982) – A arquitetura de Coimbra do gótico para a renascença. 1490-1540. Coimbra: EPARTUR, 1982.
FERNANDES, Isabel Cristina Ferreira (2021) – “Guerrear as matérias da guerra”. In MUSEU NACIONAL DE ARTE ANTIGA. Guerreiros e Mártires. A Cristandade e o Islão na Formação de Portugal. Lisboa, 19 de Nov. 2020– 28 de Fev. 2021, pp. 102-106 [Catálogo da Exposição].